terça-feira, 16 de março de 2010

Terceira Idade - Urgência de Planejamento

Paula Baccelli

Durante 11 anos trabalhei com a ABRAz – Associação Brasileira de Alzheimer e Doenças Similares e Idosos de Alta Dependência.
Foram também 11 anos de aprendizagem sobre os principais problemas que os idosos dependentes e seus familiares enfrentam. Para quem não conhece a doença de Alzheimer, vai aqui um breve resumo.
O mal de Alzheimer é uma doença de causa desconhecida e sem cura que acomete inicialmente a parte do cérebro que controla a memória, o raciocínio e a linguagem. Os sintomas mais comuns são: perda gradual da memória, declínio no desempenho para tarefas cotidianas, diminuição do senso crítico, desorientação têmporo-espacial, mudança na personalidade, dificuldade no aprendizado e dificuldades na área da comunicação.
Embora apareça após os 60 anos de idade na maioria das pessoas que são acometidas pelo mal, há também a forma precoce que se manifesta por volta dos 40 anos de idade.
As pessoas portadoras de doença de Alzheimer, gradativamente perdem a memória, necessitando de cuidados especiais por parte dos familiares e cuidadores. Os medicamentos, embora não curativos e muito caros, tendem a bloquear por um determinado tempo o avanço da doença. Mas, nem todos os pacientes respondem bem aos efeitos dos medicamentos.
Hoje, as Gerências Regionais de Saúde fornecem gratuitamente alguns dos medicamentos específicos para a doença, mas, assim como a maioria dos serviços públicos em nosso país, ainda têm sua eficácia duvidosa, por inúmeras razões – administrativas, políticas e econômicas.
Juntamente com a questão dos cuidados especiais e do medicamento, outros problemas são enfrentados:
  • Falta de informação, principalmente sobre como lidar com a doença;
  • Incompreensão familiar e do cuidador, pois apesar de conhecerem a respeito da doença, muitos familiares e cuidadores tendem a tratar o doente como se ele estivesse inventando ou fingindo sintomas, dificultando enormemente a convivência e o tratamento. Este quadro se agrava quando o idoso e seus familiares não tiveram um bom relacionamento antes da doença;
  •  Questões relacionadas à falta de tempo dos familiares, uma vez que a maioria dos familiares e dos doentes é “pega de surpresa” pela doença. Os familiares precisam continuar com suas vidas pessoais e ao mesmo tempo dispensarem cuidados especiais ao idoso demente. Muitos idosos com demência de Alzheimer ainda passam períodos do dia sozinhos, sofrendo inúmeros acidentes domésticos graves;
  • Questões financeiras: vivemos em um país cuja economia ainda engatinha e que, culturalmente, não tem o hábito de planejar uma velhice. A impossibilidade de gastos, para a maioria, com cuidadores profissionais, consultas e exames médicos, terapias complementares e todo o aparato para o idoso acamado e totalmente dependente fazem parte da nossa realidade. A falta de consciência, união e disponibilidade das famílias para compartilharem os cuidados com o paciente é uma grande dificuldade enfrentada. Também o serviço público de saúde, ineficiente e com pouquíssimos profissionais especializados em quadros de demência piora a situação desses familiares e seus pacientes.
Estas são as principais dificuldades enfrentadas por todos que se encontram envolvidos na doença de Alzheimer ou em qualquer questão de senilidade na terceira idade.
O objetivo deste artigo é dar início a uma série de questionamentos sobre prevenção. Precisamos urgentemente nos educar a agirmos preventivamente com relação à terceira idade. Isto é uma necessidade de todos nós. De outro modo, a nossa geração e as futuras sofrerão muitíssimo.
Lembremos que a expectativa de vida está aumentando. Com ela, aumentam também os riscos de doença na terceira idade, uma vez que ainda não temos hábitos saudáveis desde a infância para nos garantir senescência – envelhecer com saúde – após os 60 anos.
Com relação à doença de Alzheimer, por ser uma doença crônica e de lenta evolução, podendo durar até 20 anos, os gastos econômicos tendem a ser astronômicos. E a dedicação de familiares aos seus pacientes, cada vez mais estressante por falta de planejamento.
As estatísticas mostram que essa doença se tornará um grande problema econômico até 2030, principalmente para os países ocidentais e em desenvolvimento. Os dados mostram algo como 34 milhões de portadores no mundo até 2025, sendo 2/3 deles nos países em desenvolvimento.
As pessoas tendem a sentirem-se culpadas quando se atrevem a questionar esses dados e o que fazer com eles. Mas, negar os dados e a urgência de mudanças em nossos pensamentos e ações é negar a realidade e afastar-se de possibilidades concretas de solução.

É urgente a necessidade de confrontarmos a realidade que nos circunda no que diz respeito à terceira idade em nosso país.
Precisamos assumir uma energia Adulta que nos permita olhar de frente para esta realidade: os velhos estão sobrevivendo mais tempo e se encontram sem lugar em nossa sociedade.
A não ser quando se conformam dentro de casa, ou nos asilos, ou em centros de convivência, ou em hospitais ou até mesmo nos cemitérios.
Como família, temos tido imensa dificuldade de estabelecer o lugar dos mais velhos e respeitá-lo. Nossa cultura ocidental, de modo geral, não enxerga o idoso com bons olhos. É fácil constatar o terror ao envelhecimento: histórias infantis onde bruxas e bruxos são velhos assustadores e terríveis, plásticas exageradas a partir dos 35 anos, adultos e idosos vestindo-se e comportando-se como adolescentes, crenças limitadoras do tipo: “só quero aposentar-me”, “a velhice é o fim da vida e da alegria”, “velho não entende nada”, “velho não sabe nada”, “chegar à velhice é esperar pela morte”, etc. Todas estas construções culturais reforçadas por cada um de nós, na maioria das vezes, inconscientemente. Eu vejo isto como um grande empecilho para se pensar uma velhice com saúde.
O psicólogo pós-junguiano, James Hillman, diz que temos entidades importantes em nossa psique que precisam de cuidados. Duas delas são o puer (criança) e o senex (velho), o qual somente alcança este status se passar pelo Adulto. Segundo Hillman, para experimentarmos saúde em qualquer momento de nossas vidas, é preciso que a construamos na infância. Pois é a criança que se torna adulta e depois envelhece. Se nossa criança for criada acreditando no pior dos adultos e dos velhos, lá na frente, quando chegar o tempo de ser este adulto e este velho, só teremos uma grande “inhaca” para incorporarmos. E será isto que viveremos.
Na primeira parte deste artigo eu disse que falaria sobre prevenção. Prevenção é uma palavra extensa, de muitas possibilidades de ação. Prevenções práticas, importantes, já têm sido discutidas e realizadas. Mas a prevenção da alma tem ficado esquecida. É, prevenção da alma! Porque é isso que somos: Alma, Psique, Espírito, Eu, Self como quiserem chamar. Esta é a manifestação que movimenta o corpo e nos coloca em atividade na sociedade. E não temos cuidado dela. Não se fala em nada preventivo para a alma.
E depois ficamos nos perguntando o porquê de tanta violência, fome, desonestidade, má distribuição de renda, uma absurda desqualificação do que é público, problemas ambientais cada vez mais sérios! Como se isto pudesse ser resolvido por ações meramente externas!
Eu sou psicóloga e analista. Minha metáfora básica de atuação é a alma humana. E, bingo! Esta é a real metáfora básica de todos nós! Gasta-se tanto em ações preventivas de saúde, que são todas válidas e muitas já colhem sucesso. Mas, sobre a prevenção da alma humana, não se diz nada a respeito.
Os cientistas cartesianos, de um modo geral, parecem crer que somos uma manifestação de interação de sinapses, nada mais que isso e tendem a desqualificar o resultado desta interação, que é aquilo que nos torna singulares e nos dá efetivamente uma identidade.
Com a velhice não é diferente. Somos e seremos os velhos que nossas crianças tiverem construído a partir do aprendizado com os outros adultos e idosos. A prevenção de que quero falar, principalmente é esta. Parar de olhar o idoso como uma pedra em nosso caminho. Mostrar às nossas crianças que nenhum de nós chega à sabedoria verdadeira antes de abraçar a maioridade da alma, que acontece lá por volta dos 65 anos de idade, se vivermos bem o nosso Adulto interno. Incentivar as crianças a gostarem dos velhos, interagirem com eles. Incentivar as crianças a pensarem no futuro, não de forma fantasiosa, mas cuidando efetivamente do presente: boa alimentação, exercícios físicos e mentais, melhoria nas relações, valores como respeito a si e aos outros, trabalho constante para a manutenção da independência por mais tempo possível.
Nossa civilização ocidental fez grandes progressos materiais, mas não na alma. Falar de idoso saudável é falar de crianças, jovens e adultos saudáveis, na alma, no corpo, nos valores, nas idéias, nas ações.
Os leitores podem estar se perguntando a esta altura do texto, será que a autora não se esqueceu que vivemos em um país em desenvolvimento, com inúmeros problemas como péssimas aposentadorias e condições de educação duvidosas, com uma urgência maior em questões como saúde pública, violência, moradia etc?
Não, eu não me esqueci. Mas se temos um plano de saúde tão maravilhoso no papel como o do SUS, por exemplo, por que não conseguimos pôr em prática? Se temos verbas vultosas, por que não distribuímos direito? O que faz com que uma pessoa tenha um grande ideal humanitário e se esqueça dele tão logo suba ao poder e ganhe muito dinheiro, como os nossos políticos?
Este é o meu questionamento. Sabemos que vamos envelhecer, porque esta é a ordem natural das coisas, então por que continuamos fingindo que isto só acontece com o vizinho? Temos tantas formas de prevenção e ação, por que não realizamos?
Dinheiro é importante, com certeza, mas não é tudo no que diz respeito à mudança de base de crenças culturais. Eu sei que nada acontece do dia para a noite, principalmente mudanças de caráter interior, as quais dependem de conscientização do indivíduo, mas temos que começar em algum momento, para em outro colhermos os frutos. Ou nós, ou aqueles que vierem depois de nós. Sim, porque temos responsabilidade não somente com o mundo no momento em que nos encontramos nele, mas tão importante quanto, temos responsabilidade em como vamos deixar o mundo para os que chegarem depois.
Comecemos nossa prevenção pensando: quem sou eu? Qual o meu olhar sobre a velhice? Ou melhor: quem é o Adulto dentro de mim que está construindo o velho de amanhã? O que estou fazendo de concreto, enquanto pessoa, familiar, cidadão, para que as bases caóticas e adoecidas sobre a terceira idade sejam modificadas?
A prevenção, para que se torne uma ação efetiva, precisa começar dentro de nós. Já dizia Gandhi: “Você deve ser a mudança que você quer para o mundo”. É estranho, mas sei que muitos leitores estavam, talvez, aguardando sugestões preventivas mirabolantes, administrativas, políticas e econômicas. Mas, como pensar em realizarmos algo assim, tão complexo e grandioso, se nem sequer somos capazes de responder às simples questões citadas no parágrafo acima? Como querermos nos preocupar com grandes ações, quando nem mesmo conseguimos solucionar pequenos problemas familiares?
Precisamos aprender de uma vez por todas que começar pelo menor e mais simples, faz a diferença no todo maior. E esse é o convite deste artigo: comece fazendo a diferença por você mesmo, sendo coerente em seus pensamentos e ações. Depois estenda essa sublime experiência àqueles que lhe circundam, lembrando que o próximo é qualquer um: familiar, amigo, vizinho, colega de trabalho, o desconhecido do shopping, a árvore, os animais, o meio ambiente, etc. Tenha coragem para se mostrar ao mundo exatamente como se sente e ajude aos outros, como os nossos idosos, que na sua maioria, ainda não têm porta-vozes e não fazem parte de uma, tomara, futura geração de velhos que falem por si só. Uma vez que cuidarmos da alma, todas as ações serão consequentemente melhores, pois as ações são apenas reflexo de nosso mundo interior.
Se não estamos morando em um mundo justo, a responsabilidade é de todos nós!
Isto é centrar-se. Então, centre-se, pois desta forma teremos bases sólidas para que, com criatividade e respeito, realizemos as mudanças necessárias para um mundo melhor, onde caibamos todos nós: crianças, adolescentes, adultos, idosos e todas as possivelmente, mais de 30 milhões de espécies que vivem neste planeta.
Isto é urgente! Então comece já!

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